O
misantropo
Doriedson Alves[1]
Somos
convencidos, continuamente, de que o melhor remédio para felicidade é a
convivência, sobretudo a bem-sucedida, com outras pessoas. É a defesa ferrenha
da ideia de convívio harmonioso, feliz, perfeito e, acima de tudo, fundamental
a qualquer ser humano, a nível de realização pessoal. Nesse caso, cada pessoa
exerceria, de forma perfeita, seu papel social, conjugal, afetivo, sem nenhum
sobressalto, consolidando a relação compartilhada, como modelo perfeito. Por
isso, se é constantemente bombardeado com imagens de relacionamentos bem
sucedidos, amores intermináveis, casamentos perfeitos (“Até que a morte os
separe!), etc. Evidentemente, sem sobra de dúvidas, nisso há enorme senso moral
desfigurado pela realidade dos fatos, por conseguinte, as desavenças são bem
comuns: nada é, necessariamente, o que parece. Portanto, embora seja uma
realidade repetida à exaustão, todo e qualquer envolvimento afetivo exige, para
sua existência (e sobrevivência) à vontade, o desejo e a tolerância de quem
almeja viver junto. No entanto, mesmo isso sendo assumido enquanto regra
sociocultural, nada impede que alguns refutem, com entusiasmo e simpatia, a
simples ideia do viver em comum.
Quando
alguns de nós se recusam a viver com outros (solteirões ou solteironas
inveterados, por exemplo), são taxados de loucos, desmiolados, misantropos. Ou,
até mesmo de sujeitos egoístas, individualistas, por negarem, de forma intensa,
as mazelas da convivência, especialmente quando ela se torna insuportável. Ora,
lidar no mesmo ambiente com indivíduos – tanto faz se forem parecidos ou bem
diferentes – não é fácil em circunstância nenhuma, nem na mais ideal. É impossível,
na maioria das ocasiões, desejarem as mesmas coisas e, caso isso aconteça, que
seja da mesma forma, intensidade, ou entusiasmo. O que é muito frequente, por
outro lado, é uma das partes ceder, evitando assim a discórdia explícita,
intensa. O objetivo aqui é, acima de tudo, evitar todo e qualquer embate,
preservando, pelo menos em tese, a essência da convivência, isto é, a união
relacional condescendente, cujo foco está na vida compartilhada.
Agora,
a partir do instante em que a tolerância se torna um caminho difícil de
percorrer, o relacionamento tende irrevogavelmente, a desandar. Infelizmente,
isso é muito comum. A prova inconteste disso está no enorme número de casais
divorciados (mais de 350 000 em 2011, por exemplo), após os primeiros anos de
casamento. A incompatibilidade de gênios, nome pomposo atribuído a insuperável
dificuldade de convivência entre indivíduos, é a causa mais comum; e não, como
se poderia acreditar logo de imediato, as traições e adultérios, extremamente
rotineiros – bem mais do que “imaginamos” – nos relacionamentos amorosos.
“Dividir o mesmo teto” sempre foi o desafio por excelência, quando se trata de
casais, não importando a classe social, o nível cultural e econômico, à
religião etc. A não ser que um dos envolvidos (ou parceiro) aceite a condição
subalterna. Tudo bem, até certo ponto, que alguns defendam esta perspectiva, ou
ponto de vista, reducionista, embora ela me pareça reprovar o bom senso.
Às
veze, o que deveria ser o sumo bem, se transforma em conflitos violentos, repleto
de ofensas, intimidações, enfrentamentos físicos, prevalecendo a “lei do mais
forte”. Tudo em nome da rejeição à solidão. Eis, por conseguinte, a dialética
da opressão, figura sempre presente ao jogo das relações humanas; no entanto,
na maioria dos casos, levada às últimas consequências, por alguns indivíduos,
irrompe em ações brutais, cujo cerne é a possessibilidade, isto é a concepção
de que nos pertencemos mutuamente. A
intenção fundamental, nesse caso, é o domínio de um sobre o outro, pois a
paridade não pode sequer ser considerada, ante o turbilhão de encontros e
desencontros tão caros aos seres humanos presos a existência do outro. Logo, a
expressão máxima da sensatez não seria negar qualquer envolvimento que
significasse a supressão da liberdade do homem (ou mulher)? A questão habita,
basicamente, o campo do dilema do enquadramento sociocultural, no qual a
vontade coletiva subordina a pessoal.
Enfim,
abdicar daquilo que se quer, individualmente, em prol do outro, nessa
conjuntura, é, para muitos, a única e possível saída, permitindo a manutenção
do enlace afetivo, repleto da ideia de posse instrumental, mas indispensável ao
enquadramento. O segredo se dá na força da persuasão, seja ela de ordem
ideológica ou física, como instrumento de consolidação das estruturas (afeto,
paixão, respeito etc.) características das relações humanas, sem as quais
nenhum empreendimento, pautado na conveniência, seria de fato possível. No
entanto, mesmo assim, todo relacionamento se conforma em grande investimento
emocional, temporal, e na maioria das vezes, financeiro, cuja durabilidade pode
ser diluída a qualquer momento, sem aviso prévio, “sem dó nem piedade”. Só
restando, no final, a expectativa do que virá em seguida, na textura da
cotidianidade, do novo, da vida casual.