sábado, 7 de setembro de 2013

A Invenção da Perfeição
               
 DORIEDSON ALVES – Graduado em Física
                                                                      e graduando em Filosofia.
                                                           E-mail: doriedson-ap@oi.com.br

Educados no âmbito da moralidade religiosa – sobretudo a cristã – e, também, em ilusórias expectativas (éticas, morais, estéticas etc.), somos induzidos compulsoriamente a acreditar em padrões elevados, distintos, nobres, de comportamento. É como se pudéssemos, além de nossas forças, ir até um nível de virtude (ação pela força) que excedesse a própria capacidade humana de ser, pensar, agir. Nesse estado, o que se destaca, logo de imediato, é a essência de irrepreensibilidade que o torna autêntico, belo, e especialmente, perfeito. Mas como entender o universo daquilo que, sem ter outro nome apropriado, chamamos de perfeição? Podemos entendê-la, de certa forma, como forte impulso, desejo, aspiração, cujo objetivo está em consolidar a negação de todo e qualquer erro, imperfeição, imperícia, tal qual ideal de conduta imaculável. Contudo, ela (a perfeição) está corrompida pela tola ideia de que aquilo que é “sem falhas” é, por conseguinte, bom; significando, em última instância, a aspiração mais nobre do ímpeto humano, orientando o ser do homem (agindo, pensando, sonhando etc.) no mundo. Uma das vias que mais explora isso é, sem dúvida nenhuma, a religião em seu ideal ascético, pautado na definição clássica de pecado (culpa) e sua, hipotética, afronta à divindade criadora do homem.
O grande obstáculo, no entanto, é tentar nivelar o comportamento/ação dos indivíduos a partir de níveis de requinte (ou excelência), existentes apenas nos delírios morais, estéticos, éticos, políticos, sociais etc., calcados na falsa concepção de infalibilidade. Por isso, modelos, parâmetros, utopias, são aspectos encontrados e improvisados com muita frequência, nas encenações de realidades socioculturais consubstanciada naquilo identificado ao inequívoco, ao desacerto. Sim, pois os enganos pertencem à dimensão do imperfeito, sobretudo por estarem destituídos do considerado normal, natural, corriqueiro, quando a “verdade” se esconde nos recônditos, por exemplo, de atitudes discriminatórias. Ora, o individuo portador de necessidades especiais sofre, principalmente, por ser diferente, portanto, quando apresenta uma configuração física (fenotípica) destoante da maioria; logo, não sendo “perfeito”, só lhe cabe o olhar que o diferencia, discrimina, segrega, reduzindo a sua importância, o seu valor, a sua liberdade. Entretanto, o maior incômodo se dá por nos vermos, potencialmente, condenados a estados semelhantes, sem que nada, em absoluto, possa ser feito, tornando tal realidade potencialmente concreta, em algo plenamente intolerante. É como se na rejeição do outro pudéssemos nos livrar das eventuais imperfeições.
A perfeição é como um mal adulterando impetuosamente a existência dos homens, eternizando e criando falsas expectativas, sob a tutela de máximas estúpidas: “Foram felizes para sempre!”; “O verdadeiro amor!”; “Até que a morte os separe!” etc. Desse modo, queremos quase sempre, e invariavelmente, finais absolutamente felizes, tentando eternizar (se é que isso é possível), dentro daquilo que julgamos perfeito, a felicidade humana: eis o grande embuste! Ela certamente perpassa pela aceitação do bom (bem) e negação do mau (mal), dentro de uma realidade dicotômica e antagônica, mas insuperável em sua constituição: certo (perfeito) e errado (imperfeito). Contudo, quando as expectativas/esperanças não são alcançadas, a decepção se apossa do nosso espírito, pois fomos contrariados naquilo que valoramos enquanto sendo “o melhor possível”. Portanto, a busca desenfreada pela perfeição é algo inerente à cultura humana, em qualquer tempo, época, período, ela sempre foi cultuada, por configurar, em sua definição última, a ideia de “satisfação plena daquilo que se espera de alguma coisa”. Logo, evitar o indesejável (ou imperfeito) é prerrogativa fundamental ao indivíduo enganado, imbuído do desejo de apreender o contentamento de um viver inautêntico, gozando das mais valiosas “virtudes” da vida.

Um sujeito além de suas possibilidades, eis o homem que cultua a irrealidade da perfeição, muito embora perceba, em seu intento miraculoso e extraordinário, a incapacidade de sua realização. No entanto, nada mais natural, numa sociedade subordinada à concepção de eficiência/excelência, do que a vocação de seus integrantes ao apreço por aquilo que configura uma disposição irrefreável ao superficial, fingido, forçoso, enquanto elemento ideologicamente comportamental, e integrante, de toda (ou qualquer) ação humana. Na verdade, fantasia-se, no ato impecável, a força de um individuo guiado ao longo do “bom caminho”, senhorio absoluto de suas aspirações, conformado a insana vontade/desejo de superar os limites de certo “modelo de vida”. Por isso, os deuses foram constituídos exemplos e sinônimos da ausência de falhas e, portanto, isentos dos defeitos tão caros e comuns à realidade do sujeito sob o céu. Ele é, por excelência, “homem decaído”, expulso do Éden – mundo criado, enfeitado, adornado, segundo o ato impecável (perfeito) de seu criador. O deus que cria, por outro lado, não é virtuoso, pois isso representaria movimento intencionalmente forçado em direção ao considerado bom, belo, justo, verdadeiro. Ele seria a própria razão de ser da sobre-excelência, como algo a direcionar os pecadores (defeituosos) ao marco regulatório de suas inclinações ruins.

Um comentário:

  1. sou admirador de seus escritos meu caro Doriedson , este como sempre excelente!! mas minha alma se angustia porque acredito que a vida é sempre uma busca pela "perfeição" , e se desde os tempos remotos o homem vive nesta busca é por que existe algo de maior e "perfeito".abraço fraterno Sabazão.

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