segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O misantropo
                                                              Doriedson Alves[1]

Somos convencidos, continuamente, de que o melhor remédio para felicidade é a convivência, sobretudo a bem-sucedida, com outras pessoas. É a defesa ferrenha da ideia de convívio harmonioso, feliz, perfeito e, acima de tudo, fundamental a qualquer ser humano, a nível de realização pessoal. Nesse caso, cada pessoa exerceria, de forma perfeita, seu papel social, conjugal, afetivo, sem nenhum sobressalto, consolidando a relação compartilhada, como modelo perfeito. Por isso, se é constantemente bombardeado com imagens de relacionamentos bem sucedidos, amores intermináveis, casamentos perfeitos (“Até que a morte os separe!), etc. Evidentemente, sem sobra de dúvidas, nisso há enorme senso moral desfigurado pela realidade dos fatos, por conseguinte, as desavenças são bem comuns: nada é, necessariamente, o que parece. Portanto, embora seja uma realidade repetida à exaustão, todo e qualquer envolvimento afetivo exige, para sua existência (e sobrevivência) à vontade, o desejo e a tolerância de quem almeja viver junto. No entanto, mesmo isso sendo assumido enquanto regra sociocultural, nada impede que alguns refutem, com entusiasmo e simpatia, a simples ideia do viver em comum. 
Quando alguns de nós se recusam a viver com outros (solteirões ou solteironas inveterados, por exemplo), são taxados de loucos, desmiolados, misantropos. Ou, até mesmo de sujeitos egoístas, individualistas, por negarem, de forma intensa, as mazelas da convivência, especialmente quando ela se torna insuportável. Ora, lidar no mesmo ambiente com indivíduos – tanto faz se forem parecidos ou bem diferentes – não é fácil em circunstância nenhuma, nem na mais ideal. É impossível, na maioria das ocasiões, desejarem as mesmas coisas e, caso isso aconteça, que seja da mesma forma, intensidade, ou entusiasmo. O que é muito frequente, por outro lado, é uma das partes ceder, evitando assim a discórdia explícita, intensa. O objetivo aqui é, acima de tudo, evitar todo e qualquer embate, preservando, pelo menos em tese, a essência da convivência, isto é, a união relacional condescendente, cujo foco está na vida compartilhada.
Agora, a partir do instante em que a tolerância se torna um caminho difícil de percorrer, o relacionamento tende irrevogavelmente, a desandar. Infelizmente, isso é muito comum. A prova inconteste disso está no enorme número de casais divorciados (mais de 350 000 em 2011, por exemplo), após os primeiros anos de casamento. A incompatibilidade de gênios, nome pomposo atribuído a insuperável dificuldade de convivência entre indivíduos, é a causa mais comum; e não, como se poderia acreditar logo de imediato, as traições e adultérios, extremamente rotineiros – bem mais do que “imaginamos” – nos relacionamentos amorosos. “Dividir o mesmo teto” sempre foi o desafio por excelência, quando se trata de casais, não importando a classe social, o nível cultural e econômico, à religião etc. A não ser que um dos envolvidos (ou parceiro) aceite a condição subalterna. Tudo bem, até certo ponto, que alguns defendam esta perspectiva, ou ponto de vista, reducionista, embora ela me pareça reprovar o bom senso.
Às veze, o que deveria ser o sumo bem, se transforma em conflitos violentos, repleto de ofensas, intimidações, enfrentamentos físicos, prevalecendo a “lei do mais forte”. Tudo em nome da rejeição à solidão. Eis, por conseguinte, a dialética da opressão, figura sempre presente ao jogo das relações humanas; no entanto, na maioria dos casos, levada às últimas consequências, por alguns indivíduos, irrompe em ações brutais, cujo cerne é a possessibilidade, isto é a concepção de que nos pertencemos mutuamente.  A intenção fundamental, nesse caso, é o domínio de um sobre o outro, pois a paridade não pode sequer ser considerada, ante o turbilhão de encontros e desencontros tão caros aos seres humanos presos a existência do outro. Logo, a expressão máxima da sensatez não seria negar qualquer envolvimento que significasse a supressão da liberdade do homem (ou mulher)? A questão habita, basicamente, o campo do dilema do enquadramento sociocultural, no qual a vontade coletiva subordina a pessoal.
Enfim, abdicar daquilo que se quer, individualmente, em prol do outro, nessa conjuntura, é, para muitos, a única e possível saída, permitindo a manutenção do enlace afetivo, repleto da ideia de posse instrumental, mas indispensável ao enquadramento. O segredo se dá na força da persuasão, seja ela de ordem ideológica ou física, como instrumento de consolidação das estruturas (afeto, paixão, respeito etc.) características das relações humanas, sem as quais nenhum empreendimento, pautado na conveniência, seria de fato possível. No entanto, mesmo assim, todo relacionamento se conforma em grande investimento emocional, temporal, e na maioria das vezes, financeiro, cuja durabilidade pode ser diluída a qualquer momento, sem aviso prévio, “sem dó nem piedade”. Só restando, no final, a expectativa do que virá em seguida, na textura da cotidianidade, do novo, da vida casual.


[1] Graduado em Física e graduando em Filosofia. E-mail: doriedson-ap@oi.com.br

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